Arte sobre fotos/Wikimedia Commons
Estudo da USP analisa modernismos do filme "O Homem do Pau-Brasil"
Dissertação explora referências literárias e releitura feita do movimento cultural que iniciou em 1922 com a Semana de Arte Moderna
26/11/2021
Crisley Santana
O diretor Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988) realiza uma releitura das obras do escritor modernista Oswald de Andrade, além da própria figura de Oswald, em seu filme O Homem do Pau-Brasil, de 1981. Entre outras referências à literatura do escritor, o longa lembra de romances como Serafim Ponte Grande e Memórias Sentimentais de João Miramar.
Mas além dessas, o filme tem alusões a outras obras e outros tipos de arte. É o que indica a dissertação de mestrado desenvolvida por Ranny Cabrera no Programa de Pós-Graduação de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
O título provisório do estudo é O Homem do Pau-brasil (1981) de Joaquim Pedro de Andrade: memórias póstumas de uma matriz modernista.
A ideia da pesquisadora é debater as referências literárias do filme, tendo como foco o escritor Oswald de Andrade e a releitura que o diretor de mesmo sobrenome faz do Modernismo.
Oswald foi grande propulsor do movimento cultural modernista que se iniciou com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, durante fevereiro de 1922.
O objetivo do filme que explora a imagem do autor não foi realizar uma homenagem a ele ou às obras que são referenciadas, mas debater as propostas trazidas pelo Modernismo brasileiro.
“Como pensar a cultura, o papel do intelectual e da história? Mais do que homenagem [o objetivo da obra] é pensar o que era essa modernidade para os modernistas”, disse a pesquisadora sobre as indagações trazidas pelo filme.
A obra também traz paralelos entre as relações do movimento cultural de 1922 e o cinema novo, gênero fílmico de que o diretor fez parte. Isso porque ambas as atividades foram de alguma forma frustradas, como indicou a pesquisadora.
Enquanto o Modernismo não conseguiu atingir as classes populares como seus intelectuais fundadores esperavam, o cinema novo foi barrado pela ditadura civil-militar que se instalou no Brasil em 1964.
Ranny Cabrera, pesquisadora da FFLCH - Foto: Arquivo pessoal
Outras referências culturais evidenciadas pela autora no filme estão nas chamadas chanchadas, gênero que fez grande sucesso no País entre os anos 1930 e 1950. A mistura de comédia musical com filmes policiais e de ficção científica fez grandes nomes do cinema, como Grande Otelo, ator que integra o elenco de O Homem do Pau-Brasil.
A referência pode levar a questionar se a escolha do diretor foi uma tentativa de angariar público, como aconteceu com o filme Macunaíma (1969), também dirigido por Joaquim Pedro de Andrade. Mas, para a pesquisadora, o recurso serve também para retratar no filme, com uso da comédia, uma realidade política dramática.
Alusões modernistas estão também nas obras de artes plásticas exibidas durante a produção, além do chamado teatro de revista e outras formas de cultura popular.
Cena do filme O Homem do Pau-Brasil - Foto: Wikimedia Commons
O longa não foi assistido por um grande público na época, e por isso há poucos comentários e críticas registrados sobre ele, segundo Ranny. Ainda assim, os escritos encontrados durante a pesquisa dão conta de demonstrar que ele gerou controvérsia.
“Não agradou nem gregos, nem troianos. Existe um público que não gostou porque achou que o recorte das obras fez uma caricatura do Oswald, e alguns têm uma percepção de que o filme é um tanto tradicional, convencional.”
Para a pesquisadora, o filme tem uma concepção épica da história, que não dramatiza Oswald de Andrade, ao mesmo passo que não o transforma em herói. “O filme quer pensar as questões que mobilizam o Brasil. E nas entrelinhas ele deixa essas contradições muito bem marcadas, tanto na montagem da imagem e som quanto nas próprias referências que ele traz”, disse a pesquisadora, afirmando que a obra propõe uma autocrítica sobre o papel dos artistas e intelectuais do País.
Foto: Wikimedia Commons
A pesquisa e a pesquisadora
Ranny Cabrera é graduada em Letras com habilitação em Português e Francês pela USP e dupla diplomação em Línguas, Literaturas e Civilizações Estrangeiras e Regionais pela Université de Paris-Sorbonne. Também é graduada em Filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O desenvolvimento da sua dissertação contou com bolsa Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao Ministério da Educação.
Além do próprio filme, livros sobre Modernismo e jornais de época foram suas grandes fontes de pesquisa, além de ter tido acesso ao roteiro original da obra, arquivado na Cinemateca Brasileira.
“O meu orientador, professor Anderson Gonçalves, sempre me ajudou muito, nesse momento de pandemia e falta de acesso à biblioteca e ao espaço da universidade, que tornou as coisas um pouco mais difíceis. A gente acha que a pesquisa acadêmica e uma dissertação são algo individualista, mas na verdade o mais interessante é quando você consegue ter espaço para discutir com outras pessoas”, comentou Ranny.
A dissertação será defendida, isto é, apresentada a uma banca avaliadora, no primeiro semestre de 2022.
Esta matéria faz parte da série Pesquisas em Andamento, desenvolvida pelo Ciclo22, sobre teses e dissertações da USP que serão defendidas por seus pesquisadores.
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