A pesquisadora Valdirene com o crânio de D. Pedro I - Foto: Maurício Paiva

Ciência forense põe à prova representação visual dos imperadores do Brasil

Pesquisadora da USP analisou remanescentes humanos de D. Pedro I e das imperatrizes Maria Leopoldina e Amélia de Leuchtenberg

08/04/2022

Crisley Santana

A ciência forense é geralmente usada para analisar óbitos que tenham passado por processos de violência física. Em 2013, porém, um estudo realizado pela pesquisadora da USP Valdirene Ambiel mostrou que a área também pode ser aplicada em estudos históricos e arqueológicos.

A partir da chamada arqueologia forense, Valdirene analisou os remanescentes humanos do primeiro imperador do Brasil, D. Pedro (1798-1834), e de suas esposas Maria Leopoldina (1797-1826), primeira imperatriz do País, e Amélia de Leuchtenberg (1812-1873), que viveu no Brasil entre 1826 e 1831. 

A pesquisa foi realizada para o desenvolvimento da dissertação de mestrado Estudos de Arqueologia Forense aplicados aos remanescentes humanos dos primeiros imperadores do Brasil depositados no monumento à Independência no âmbito do programa de pós-graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, em São Paulo. 

Os resultados encontrados pela pesquisadora seguem repercutindo, mesmo passados quase dez anos desde a entrega da dissertação, em 2013, conforme Valdirene relatou ao Ciclo22 USP. Tanto que a pesquisadora continua estudando os restos mortais dos imperadores em sua tese de doutorado, que deve ser finalizada este ano e trazer novas curiosidades sobre os personagens históricos.

O que os restos mortais demonstraram

A análise serviu para mostrar aspectos físicos e curiosidades dos imperadores, tanto em comum quanto em desacordo com documentos históricos. 

O estudo indicou que a estatura média dos personagens históricos, por exemplo, correspondeu à historiografia oficial. Em vida, D. Pedro I teve uma estatura entre 1,66 e 1,73 metro, enquanto a imperatriz d. Leopoldina teve entre 1,54 e 1,60 metro de altura. Já d. Amélia, conforme o estudo, media de 1,60 a 1,66 metro.

A possível aparência “rechonchuda” de d. Leopoldina, conforme a historiografia destacou ao longo dos anos, porém, não se comprovou. A estrutura óssea da imperatriz, como a espinha nasal, demonstrou traços de uma pessoa magra. É possível, então, que a aparência inchada, sempre indicada em pinturas, por exemplo, estivesse mais associada ao fato de que Leopoldina esteve grávida por nove vezes durante os nove anos de casamento com o imperador.

Também a afirmação histórica de que a morte da imperatriz, em 1826, teria sido causada por uma possível agressão de D. Pedro não se comprovou cientificamente. “Eu não posso afirmar que ele [D. Pedro I] não praticava violências físicas. Mas o que eu posso afirmar é que essa possível violência física não causou a morte da imperatriz, porque não havia vestígio de fratura óssea”, afirmou Valdirene.

Valdirene Ambiel faz a tomografia dos restos mortais da imperatriz Leopoldina - Foto: Arquivo da pesquisadora

Apesar da aparência “rechonchuda” da imperatriz Leopoldina nas representações, análise mostrou que ela era magra - Retrato de Luís Schlappriz/Wikimedia Commons

Análise comprovou estatura de D. Pedro I entre 1,66 e 1,73 metros, relatada na historiografia - Pintura de Henrique José da Silva, 1824

Amélia de Leuchtenberg: estatura corresponde aos dados presentes na historiografia - Imagem: Coleção do Museu Nacional de Soares dos Reis

Ex-imperadores no Monumento à Independência

Os restos mortais analisados pela pesquisadora estão depositados dentro do Monumento à Independência, localizado no Museu Paulista da USP, conhecido como Museu do Ipiranga. 

Na época da pesquisa, embora sem tanta certeza, Valdirene tinha a informação de que os remanescentes humanos dos ex-imperadores estavam lá depositados, e assim foi investigar.

“Eu morava perto da região e estava com meu pai quando chegaram os remanescentes do corpo de d. Amélia, em cerca de 1982, e comentei com ele: ‘Espero que no futuro alguém faça alguma coisa para ver como estão esses restos mortais’”, disse.

Após conseguir as permissões necessárias com os descendentes da família real e autoridades sanitárias, a pesquisadora descobriu que de fato o monumento abriga os corpos. 

As sepulturas de D. Pedro e d. Maria Leopoldina estão em sarcófagos de granito, criados especialmente para abrigá-los, enquanto o de d. Amélia foi depositado de maneira “improvisada”.

“O corpo dela está próximo às paredes do monumento, e por isso é o que está mais vulnerável”, afirmou a pesquisadora. A vulnerabilidade se dá, entre outros motivos, devido à umidade e à infiltração sofrida pelo local.

Cripta no Museu do Ipiranga onde estão os restos mortais do Imperador D. Pedro I e suas esposas Dona Leopoldina e Dona Amélia - Foto: Zé Carlos Barretta / Wikimedia Commons

Imperatriz Amélia mumificada - Foto: Valter Diogo Muniz

Reembalsamamento da imperatriz Amélia - Foto: Valter Diogo Muniz

Os riscos à história do Brasil

A umidade e outros aspectos de descuido apresentados pelo Monumento, segundo a pesquisadora, podem colocar em risco parte da história do Brasil. “Após ver a situação dos remanescentes, especialmente do corpo de d. Amélia, conversei com o professor Carlos Augusto Pasqualucci, que hoje é meu orientador de doutorado, e nós montamos toda uma técnica para que pudesse ser feito um acompanhamento”, disse. 

A supervisão dos remanescentes foi feita pela pesquisadora de maneira voluntária, de 2012 até fevereiro de 2018, quando o Museu da Cidade de São Paulo, órgão responsável pela administração do Monumento, decidiu encerrar o convênio com a Universidade. “Na última vez em que eu estive ali, em novembro de 2021, infelizmente a situação não era muito boa. Havia muita pichação, pisos das paredes externas soltos e a infiltração também deve continuar”, relatou Valdirene.

Para a pesquisadora, e conforme demonstrou um relatório que foi entregue à Prefeitura de São Paulo em 2014, a estrutura do Monumento está comprometida, e para que o corpo da ex-esposa de D. Pedro I, d. Amélia, possa então ser preservado, é preciso construir um sarcófago. 

“O corpo dela estava preservado durante a pesquisa, inclusive os órgãos internos. Corpos assim devem ter um maior acompanhamento, da mesma forma que antes era feito com as múmias que estavam no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)”, afirmou. 

“Eu enquanto pesquisadora, e a USP enquanto instituição, talvez não percamos nada, mas talvez perca a história do Brasil”, disse Valdirene.

Exumação de D. Pedro I - Foto: Valter Diogo Muniz

Restos mortais de D. Leopoldina - Foto: Luiz Roberto Fontes

A pesquisa e a pesquisadora

Valdirene Ambiel é historiadora e arqueóloga. Sua dissertação de mestrado contou com bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), além da parceria com pesquisadores de áreas como museologia, arqueologia e medicina.

“Na arqueologia, normalmente, é difícil você desenvolver pesquisas estando sozinho porque você precisa de outros profissionais para responderem suas dúvidas”, disse. 

Na época da publicação, o estudo teve grande repercussão, não só no Brasil mas em centenas de países. Os resultados das pesquisas também ajudaram no desenvolvimento de técnicas da chamada autópsia virtual, usada especialmente durante a pandemia de covid-19. 

Valdirene Ambiel, pesquisadora do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP - Foto: Arquivo pessoal

“Para mim é gratificante porque as pessoas não sabem, mas os pesquisadores, muitas vezes, não têm horário. São horas e horas de trabalho, estudando e pesquisando, então é gratificante.” 

Acompanhe o projeto Ciclo22 da USP no site: ciclo22.usp.br 
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