Exército Imperial do Brasil ataca as forças confederadas no Recife, 1824 - Foto: Wikimedia Commons

Direito civil não foi prioridade política no pós-Independência

Estudo desenvolvido na USP mostra que interesses econômicos e de pacificação social foram privilegiados pela política nos primeiros anos do Brasil independente

27/05/2022

Crisley Santana

A Independência do Brasil, ocorrida em 1822, trouxe consigo muitas mudanças para o panorama político. Entre elas, a instalação do sistema imperial como forma de governo. O estudo José Clemente Pereira e o Debate Jurídico do Império 1830-1850 demonstra que o direito civil não estava entre as principais preocupações políticas do novo regime.

A pesquisa foi realizada em 2011 por Mariana Macário no âmbito do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito (FD) da USP, em São Paulo. 

O debate permanece atual, ainda mais no ano em que se comemora o bicentenário da Independência, conforme falou Mariana ao projeto Ciclo22. Segundo ela, o debate jurídico atual mantém resquícios do período.

Quem foi José Clemente Pereira?

José Clemente Pereira (1787-1854) foi um jurista e comerciante português que emigrou para o Brasil em 1815, após se formar em Direito pela Universidade de Coimbra. O estudo realizado por Mariana usou a trajetória dele para explorar o debate jurídico que ocorreu nos primeiros anos do Brasil independente. 

O magistrado atuou na política brasileira em diversos cargos, como, por exemplo, juiz de fora — nomeado pela Coroa de Portugal para realizar julgamentos de maneira parcial —, deputado, senador, entre outros. 

Sua participação foi fundamental na criação das leis que formaram o Brasil Imperial. A atuação dele também esteve relacionada à de nomes importantes na historiografia brasileira, como o do imperador, D. Pedro I, e José Bonifácio de Andrada e Silva, estadista que teve papel decisivo na Independência do País e nas decisões tomadas adiante.

“Ele [Clemente Pereira] foi uma figura importante tanto na questão do Código Comercial quanto na do Código Criminal, entre outros debates da época”, afirmou a pesquisadora.

Pacificação e economia como prioridade

Retrato de José Clemente Pereira como provedor da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro - Foto: Wikimedia Commons

Logo que o País tornou-se independente, revoltas sociais eclodiram por diversas regiões. Uma das primeiras ocorreu em 1824, a chamada Confederação do Equador. Nela, as então províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará passaram a questionar as políticas adotadas pelo Império, muito centralizadoras na opinião dos insurgentes, que também questionavam a Constituição de 1824. 

Isso poderia explicar o interesse político do Brasil em buscar soluções que pacificassem a população, culminando na aprovação do chamado Código Criminal, em 1830, demonstra o estudo.

Recife, cenário de descontentamentos que deram origem à Confederação do Equador - Foto: Multirio.rj.gov

Pintura que retrata pena para crime de roubo e detalhe da primeira página do Código Criminal - Fotos: Instituto Moreira Salles e Biblioteca Nacional Digital

“[Após a Independência] os territórios passaram a debater a ideia de serem federações, de se separarem, de terem as suas próprias ordens. Então com tudo isso se abriu um leque de possibilidades. Era um período vertiginoso, que fez surgir esses aspectos de pacificação, criminalização, de responsabilização social”, explicou Mariana.

Já a aprovação do chamado Código Comercial, em 1850, representou a preocupação em organizar de maneira sistemática as relações comerciais do Brasil, profundamente alteradas desde a chegada da Família Real ao País, em 1808. “Isso demonstra que as relações econômicas acabaram sendo mais importantes do que garantir direito às pessoas, por isso a criação de um Código Civil foi adiada para muito mais tarde”, comentou Mariana.

A importância de se estudar como se deu o debate jurídico no Brasil Império por meio da trajetória de José Clemente Pereira, segundo a pesquisadora, esteve em entender que não existe neutralidade nas escolhas jurídicas que moldam a política. Algo que para ela também pode ser demonstrado nos dias atuais.

“Muita gente é criada para acreditar que existe um bem neutro e que a gente precisa procurar os políticos que perseguem esse bem neutro, sendo que ele não existe. O que existe são ideias de Estado ou propostas de Estado que se aproximam mais de algo tido como republicano ou como democrático, mas sempre vai haver disputa de grupos”, ressaltou.

A pesquisadora e a pesquisa

Mariana Macário é mestre em História do Direito pela USP. Sua pesquisa, segundo ela relatou, foi realizada especialmente com uso de bibliografias sobre o tema e atas do Senado da Câmara, disponíveis on-line.

“Foi difícil porque elas não estavam em arquivo PDF, então eu tinha que ficar lendo uma por uma. Foi muito difícil, mas a internet foi tudo na minha vida nessa época”, relatou.

Apesar do grande uso de arquivos on-line, Mariana ressaltou que visitou lugares pessoalmente, como a casa de José Clemente Pereira no Estado do Rio de Janeiro, além de ter manuseado fontes. “Sou uma pessoa com um pé na História e um pé no Direito, então essa coisa de ir até a fonte, manusear e entender também é muito rica.”

Mariana Macário, mestre em História do Direito pela Faculdade de Direito da USP - Foto: Arquivo pessoal

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