Arte sobre fotos/Wikimedia Commons

Simón Bolívar admirava modelo político adotado no Brasil independente

Pesquisa mostra aproximação de ideias entre as Américas; tese é desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

21/12/2022

Crisley Santana

Assim como em território brasileiro, a separação política de outras regiões que formam a atual América Latina foi desencadeada por uma sucessão de acontecimentos históricos. Um estudo desenvolvido no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em São Paulo, analisa como se deu a troca de informações entre essas regiões, antes dominadas por Espanha e Portugal.

Entre Impérios e Repúblicas: circulação de referências políticas nas Américas portuguesa (Brasil) e espanhola (Nova Granada, Venezuela, Quito e Colômbia) durante o período revolucionário e independentista (1808-1831) é o título da tese de doutorado desenvolvida por Oscar Javier Castro. A previsão é que seja defendida, isto é, apresentada a uma banca avaliadora, no segundo semestre de 2023.

Em conversa com o Ciclo22, o pesquisador falou sobre episódios que demonstraram resistência à onda republicana que se formava nos territórios americanos e comentou a percepção do líder político venezuelano Simón Bolívar sobre o desenrolar dos acontecimentos no Brasil pós-1822.

Os ecos da vizinhança

Na atual América Latina, o primeiro território a alcançar independência foi o Haiti, em 1804. Apesar de inspirar a separação política dos colonizadores europeus, a luta haitiana, travada por homens escravizados, causou temor nas elites brancas. Esses grupos, então, buscaram alcançar a cisão política da Europa sem deixar que os escravizados africanos tomassem o poder. 

O pesquisador explicou que, tanto no Brasil quanto na Venezuela e Nova Granada (jurisdição que abrigava os atuais territórios da Colômbia, Panamá, Venezuela e parte do Equador), a estratégia foi incorporá-los à sociedade como soldados. “Havia uma promessa de que se eles [escravizados] participassem da guerra e desse projeto independentista eles iriam ganhar liberdade, cidadania”, disse Castro.

Mesmo gradual, a incorporação causava temor: “O que se vê é que esses pardos e negros cumpriram papel importante nas guerras pela independência e eles começaram a ganhar cidadania, mas isso gerou um certo medo”. Ele ressaltou que além do Haiti, os movimentos pela independência tiveram as ideias iluministas francesas e os acontecimentos políticos norte-americanos como referenciais.

Região da Nova Granada - Fotos: David Rumsey Mao Collection e livro Un Nuevo Reino

Junto aos movimentos de Independência, chegaram também ideias republicanas. A partir desse momento, a aparente estabilidade monárquica portuguesa começou a ser revista. Tal discussão foi registrada em periódicos analisados por Castro, como o Correo del Orinoco e o Correio Braziliense, por exemplo. “Havia um debate sobre o impacto que teria o republicanismo aqui no Brasil, então começam a se levantar alguns pontos críticos sobre o sistema monárquico que estava implantado na América”, observou.

Um dos episódios analisados pelo pesquisador conflagrou-se na capitania de Pernambuco em 1817. A tentativa de insurreição acendeu um alerta às autoridades portuguesas, que, temendo as ideias republicanas, trataram de tomar medidas mais duras de segurança, tanto interna quanto externamente, com restrições às circulações de pessoas e impressos.

Admiração de Bolívar

Após 1822, ano em que o Brasil declarou sua independência, as medidas contra o republicanismo permaneceram, pois o regime político adotado foi o imperial. A forma de governo, liderada por D. Pedro I (1798-1834), era admirada por Simón Bolívar (1783-1830), militar que liderou a luta pela independência na Venezuela. 

“Bolívar achava ótima essa experiência do mundo luso-americano para manter a unidade política porque os ex-territórios espanhóis tinham muitos problemas de fragmentação, enquanto o Brasil se manteve”, ressaltou Castro.

A criação da Grã-Colômbia, em 1819, demonstra a tentativa de criação de uma unidade política. A instabilidade de que se queixava Bolívar, porém, levou à fragmentação da jurisdição nos atuais países da Colômbia, Equador, Panamá e Venezuela.

A pesquisa e o pesquisador 

Oscar Javier Castro é mestre em História pela FFLCH. Sua tese de doutorado, assim como foi sua dissertação de mestrado, tem orientação do professor João Paulo Garrido Pimenta. 

Para construir a tese, ele tem pesquisado em periódicos, livros, cartas, além de documentos oficiais encontrados em arquivos como o colombiano Archivo General de la Nación (Arquivo Geral da Nação, em português).

Apesar do grande desafio que a pandemia e a instabilidade na política interna representaram, ele segue concluindo o estudo. As fontes digitais têm sido grandes aliadas, conforme relatou.

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Oscar Javier Castro, pesquisador da FFLCH USP - Foto: Arquivo pessoal

“A internet tem facilitado nos últimos anos porque há bibliotecas virtuais nas quais se encontra muita coisa. Tenho encontrado muitos documentos por aí, mas há outros que ainda não foram digitalizados, então é preciso ir aos arquivos físicos”, disse, lamentando não ter pesquisado em artigos da Espanha e Venezuela.

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