Primeiros modernistas exploraram a “identidade” do Brasil

Tema será debatido no próximo dia 26, às 18 horas, no segundo encontro do ciclo “1922: Modernismos em Debate”

A representação das alteridades é ponto fundamental a ser reavaliado em uma discussão sobre a Semana de 22, acredita a professora Ana Gonçalves Magalhães, diretora do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. E essa será justamente uma das questões para discussão no segundo encontro do ciclo 1922: Modernismos em Debate, que acontece no dia 26, segunda-feira, às 18 horas, com transmissão ao vivo pela internet. Promovido em parceria entre o MAC, o Instituto Moreira Salles e a Pinacoteca do Estado, o ciclo teve início em março e se estenderá até dezembro, em encontros mensais, como informou o Jornal da USP. O tema deste segundo encontro será Identidade.

“A Semana ocorreu em um momento no qual os artistas brasileiros se voltavam para uma pesquisa plástica nova, buscando outras tradições culturais dentro do próprio País, ao mesmo tempo em que havia um enorme debate intelectual sobre um projeto nacional e da questão racial no Brasil”, afirma a professora Ana Magalhães. “A promoção do mito da democracia racial no País estava no auge e é necessário rever e problematizar suas consequências para nossa cultura e nossa sociedade, bem como para o modo como os modernistas o reinterpretaram e avaliaram.”

A professora Ana Gonçalves Magalhães – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Segundo Ana, o debate sobre a identidade brasileira era central no contexto em que o Modernismo emergiu no País. A linguagem artística de comunidades indígenas e afrodescendentes interessou aos artistas brasileiros, a partir do contato com o que se chamou por muito tempo de “primitivismo” como tendência modernista no contexto europeu. “A exemplo das aquarelas de Vicente do Rego Monteiro, apresentadas na Semana de 22, de inspiração em lendas e mitos dos indígenas da Amazônia, os artistas modernistas buscaram também renovar suas formas de expressão na apropriação de elementos dessas outras culturas”, explica a professora.

A aproximação às culturas autóctones, entendida como positiva na época, agora é revisitada “à luz dos processos neocoloniais da primeira metade do século 20 e das lutas de independência colonial no mundo”. No Brasil, quando a Semana de Arte Moderna aconteceu — pouco mais de 30 anos após a abolição da escravidão —, a contribuição da cultura das comunidades afrodescendentes não era reconhecida no projeto de identidade nacional. “O que significa então a apropriação dessa cultura por artistas pertencentes a uma elite intelectual? Daí a importância do tema e de rever a forma através da qual essas identidades foram representadas e tratadas”, ressalta Ana.

Expressões modernistas regionais

Neste segundo encontro do ciclo, haverá duas mesas com pesquisadores e artistas, que discutirão o tema da identidade no Modernismo, sobretudo a representação dos afrodescendentes e expressões regionais. Na primeira mesa da noite, o historiador de arte Rafael Cardoso vai tratar do tema A Reinvenção da Semana e o Mito da Descoberta do Brasil. Em seguida, a artista Val Souza apresentará o vídeo Lembrança Brasileira: Uma Seleção Pitoresca de Imagens. Ao final, sob mediação de Renata Bittencourt, coordenadora da área de Educação do IMS, será realizado um debate. “O professor Rafael Cardoso está lançando um livro pela Cambridge University Press sobre a questão da representação das alteridades pelos modernistas brasileiros. A jovem artista Val Souza tem nesse tema a questão central de seu trabalho como artista residente no IMS”, afirma Ana.

Já na segunda mesa, que terá início às 19h45, Durval Muniz de Albuquerque Júnior, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), apresentará o tema Movimento Regionalista e Tradicionalista: a Seu Modo Modernista?. Na sequência, Aldrin Figueiredo, professor da Universidade Federal do Pará (UFP), tratará de Cromografia de País Dual: Fronteiras e Imagens do Modernismo na Amazônia. O diálogo encerrará a mesa, mediado por Ana Maria Maia, curadora da Pinacoteca.

“Os professores Figueiredo e Albuquerque têm contribuído sobremaneira nas pesquisas sobre experiências de modernidade no Brasil fora do eixo Rio-São Paulo e a relação que este estabelece com os outros centros”, destaca Ana Gonçalves Magalhães. “O professor Durval Albuquerque, por exemplo, fala da ‘invenção do Nordeste’ no contexto modernista, que é bem importante para  revermos as relações hierárquicas que se estabeleceram entre regiões diferentes do Brasil nesse contexto.”

Valéria Piccoli, curadora da Pinacoteca e uma das organizadoras do evento – Foto: Levi Fanan/Pinacoteca do Estado de São Paulo

“Tenho certeza de que será uma conversa muito instigante. O professor Durval Muniz falará principalmente da atuação de Gilberto Freyre no Recife, e o professor Aldrin Figueiredo abordará, a partir da perspectiva do Modernismo na região amazônica, questões ligadas às definições de centro e periferia, por exemplo”, acrescenta a curadora Valéria Piccoli, da Pinacoteca do Estado, também organizadora do evento. Segundo ela, a temática da mestiçagem será o fio condutor da mesa, “questão que foi vista em diferentes momentos da história brasileira alternadamente como positiva e negativa”.

Acerca do tema Identidade, escolhido para o segundo encontro, Valéria afirma que se trata de um assunto que ganha diferentes matizes ao longo do tempo. “No período moderno, os debates se voltam para o entendimento do Brasil como um país mestiço, formado a partir de diferentes matrizes culturais. A maneira como as culturas indígenas e afrodiaspóricas são vistas e, de alguma forma, apropriadas por essa geração modernista, é o que nos pareceu importante colocar em debate nessa ocasião.”

Para os que buscam conhecer novas identidades dentro do Modernismo, Ana Magalhães destaca artistas que ainda não entraram no debate mais amplo da historiografia do movimento — alguns nomes, inclusive, estão sendo apresentados no ciclo 1922: Modernismos em Debate. “Do ponto de vista de uma abordagem de gênero, uma artista como Zina Aita, tratada brevemente por Ivana Ferrante Rebello no primeiro encontro do ciclo, é ainda pouco estudada, assim como a irmã dos mais conhecidos Joaquim e Vicente do Rego Monteiro, Fedora Rego Monteiro. No caso de artistas negros, temos os irmãos Arthur e João Timótheo da Costa, estudados na pesquisa de Renata Bittencourt, uma das mediadoras do encontro.”

Valéria, da Pinacoteca, ressalta a importância de “olhar para além daquilo que se conhece e entender a modernidade em um campo mais alargado, que abarque outras regiões além do Sudeste”. A curadora ressalta que, apesar da condição de protagonista historicamente atribuída ao Modernismo paulista, as realidades regionais fornecem tonalidades particulares ao movimento. “Esse é um ponto central para o ciclo 1922: Modernismos em Debate”, completa.

O segundo encontro do ciclo 1922: Modernismos em Debate acontece no dia 26, segunda-feira, às 18 horas, com transmissão ao vivo através dos canais do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP no YouTube e no Facebook. O evento será transmitido também pela Pinacoteca do Estado e pelo Instituto Moreira Salles (IMS).

Informações: Gabriela Caputo, Jornal da USP