Em fevereiro de 2022 se comemora o centenário da Semana de Arte Moderna. Por conta da efeméride, diversas iniciativas fortalecem a revisitação, celebração e discussão do movimento modernista no País, temática já frequente na esfera cultural brasileira. Essa série de eventos inclui seminários, debates e exposições, que possibilitam conhecer de perto algumas das mais importantes obras que participaram do marco artístico.
É o caso da mostra Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como motivação, realizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), que estreia em 4 de setembro. A curadoria da exposição é de Aracy A. Amaral, professora titular de História da Arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, e de Regina Teixeira de Barros, doutora em Estética e História da Arte pela USP. A intenção é apresentar um cenário mais amplo da Semana de 22, com obras de diferentes regiões brasileiras e pertencentes a períodos anteriores e posteriores ao marco.
O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP colaboram para a exibição com o empréstimo de obras de seu acervo. Da parte do IEB são três: Colombina, de Inácio da Costa Ferreira, o Ferrignac, Nice, de Joaquim do Rego Monteiro, e O eterno indicador, do alemão Wilhelm Haarberg. A professora Diana Gonçalves Vidal, diretora do IEB, explica que as obras em questão fazem parte da Coleção Mário de Andrade, adquirida pela USP em 1967 e doada ao IEB no ano seguinte. “É uma coleção composta de quase 18 mil volumes de livros, em torno de 30 mil documentos de arquivo, e a maior coleção de artes visuais que o IEB possui, com mais de 600 obras, entre pinturas, desenhos, gravuras e esculturas, em sua maioria ligadas à arte moderna brasileira”, afirma Diana.
“A Colombina é a obra mais conhecida de Ferrignac, que participou da Semana de Arte Moderna”, destaca Diana. Ferrignac foi um escritor, caricaturista, ilustrador e desenhista paulista da primeira metade do século 20, que também atuou como advogado. Já o pernambucano Joaquim do Rego Monteiro, autor de Nice, ao lado de seus irmãos Fedora e Vicente do Rego Monteiro, foram “personagens bem influentes no ambiente vanguardista europeu, representantes dessa pintura brasileira no mercado de arte francês e muito conectados com as transformações estéticas”, diz a diretora do IEB. “Eles foram importantes colaboradores de um processo de internacionalização da produção pictórica nacional do início do século 20 na Europa”.
Por último, O eterno indicador é uma obra de nanquim sobre papel de Wilhelm Haarberg, alemão que residiu em São Paulo na década de 1920 e se aproximou de Mário de Andrade durante o período, quando também participou da Semana de Arte Moderna com trabalhos em madeira, conta Diana.
Já as obras cedidas pelo MAC incluem, entre outras, A boba, de Anita Malfatti, Perfil de Zulmira, de Lasar Segall, e Floresta, de Tarsila do Amaral.
Um dos objetivos da mostra é desconstruir a visão de que o Modernismo foi exclusividade de São Paulo — tema que tem sido discutido nas revisões do período — ao apresentar artistas e produções de outras regiões. Nesse sentido, Diana acredita que as obras emprestadas pelo IEB ao MAM colaboram para essa diversidade. “Há tanto uma representação da produção paulista, quanto fugindo do eixo do Sudeste e indo para o Nordeste. E mesmo saindo do Brasil e indo para o exterior”, diz a diretora.
Segundo Diana, a importância de participar de exposições como a do MAM reside na possibilidade de tornar mais conhecido o acervo do instituto, que é significativo e representativo do Modernismo brasileiro. “O IEB é considerado um dos maiores celeiros do Modernismo brasileiro, justamente pela Coleção Mário de Andrade”, diz. O próprio IEB está organizando, em conjunto com o Sesi, uma mostra sobre o Modernismo a ser inaugurada em 8 de dezembro. Intitulada Era uma vez o moderno, vai reunir mais de 300 obras do instituto. Essa é a razão pela qual só foram emprestadas três obras ao MAM, visto que a maior parte do acervo já estava comprometida com a futura exposição.
Para ela, a participação também é uma maneira de prestigiar a professora Aracy A. Amaral, curadora da exposição Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como motivação. “O IEB detém o Fundo Aracy Amaral, um dos nossos acervos femininos, doado pela própria, com aproximadamente 15 mil documentos de arquivo. Isso nos deixa muito felizes de continuar a ter essa comunicação e participação com a Aracy Amaral”, afirma Diana.
Moderno onde e quando
A mostra será dividida entre os pré-modernistas, as obras e os artistas participantes da Semana de 22, e os desdobramentos do movimento. Segundo a curadora Aracy A. Amaral, a exposição busca focalizar o que se passava nas artes do Brasil de 1900 a 1937, e não apenas no evento de 1922. “Nós achamos que havia uma inquietação latente no meio artístico brasileiro, seja por parte dos artistas, seja por parte daqueles que seriam críticos de arte, e que participariam do que denominamos de Modernismo brasileiro na década 1920 e, posteriormente, na de 1930”, explica.
Muitas dessas figuras estavam na Europa desde o começo do século 20, em particular na década de 1910 a 1920, onde se formaram e absorveram influências. “Então quisemos também delimitar os antecedentes do Modernismo, além de chegar até 1937, no momento de mudança de rumos que acontece no meio artístico brasileiro a partir da tomada do poder por Getúlio Vargas”, relata Aracy. Ela ressalta também os efeitos da Crise de 1929, iniciada nos Estados Unidos e que afetou o mundo inteiro, particularmente o Brasil, com a queda nos preços do café.
sse cenário impactou os rumos na arte do País, com artistas “se voltando para a realidade de forma mais drástica e se tornando mais preocupados com a questão social, como, por exemplo, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, e o surgimento de Candido Portinari, autor de grandes painéis a partir de meados da década de 1930 e começo de 1940”, destaca Aracy.
A curadora também procurou mostrar que a inquietação e a discussão em torno do moderno não existiam apenas em São Paulo, mas no Norte, Nordeste e Sul. “Esse Modernismo que ocorre em outros lugares do Brasil, a preocupação do realismo, a preocupação com o povo brasileiro, com uma nova realidade brasileira operária, vai estar presente não apenas na nossa exposição, como também no convite feito a autores de outras regiões do Brasil, além de autores de São Paulo que são estudiosos do Modernismo”, diz Aracy, em referência a um catálogo organizado pelas curadoras, que apresenta um conjunto de textos inéditos de oito autores convidados.
“Mesmo que muitos desses autores discordem do que consideramos o Modernismo paulista, é bom que se saiba o que os outros pensam sobre a Semana de 22 e de São Paulo a partir de outros pontos de vista”, diz. Segundo ela, isso abre uma discussão para “não defender mais esse ufanismo”, e mostrar que o debate modernista estava no Brasil inteiro. “Hoje, por exemplo, existe uma preocupação com o indigenismo, com a arte popular, que não existia quando se comemorava há dez, 20, 40 anos atrás o Modernismo. A presença da arte afro-brasileira e indígena como expressões autênticas da nossa cultura deve ser respeitada”, finaliza Aracy.
A exposição Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como motivação acontece entre 4 de setembro e 12 de dezembro no Museu de Arte Moderna de São Paulo, localizado no Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3), de terça a domingo, das 10 às 18 horas. A entrada é gratuita, com contribuição sugerida. É necessário realizar agendamento prévio dos ingressos em www.mam.org.br/ingresso.
Texto Gabriela Caputo / Jornal da USP