.
Apresentar uma paisagem até então inédita da Semana de Arte Moderna de 1922 é a proposta que o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, em parceria com o Sesc (Serviço Social do Comércio), está oferecendo para todos. As cores e a emoção estética de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e outros mestres agora fluem com os sons que encantaram a sua arte há cem anos. O projeto Toda Semana: Música & Literatura na Semana de Arte Moderna apresenta a íntegra dessa paisagem sonora em quatro CDs, produzidos pelo Sesc, que estão disponíveis gratuitamente e on-line. Dispõe também de um livreto com trechos de conferências e poemas lidos durante a Semana de 22 e que até então eram desconhecidos. Todo o material pode ser acessado neste link.
Para marcar o lançamento dos CDs, nos próximos dias 9 e 16 de fevereiro, às 20 horas, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, o público vai poder apreciar concertos que resgatam as sonatas de Heitor Villa-Lobos, a literatura musical de Mário de Andrade, os poemas de Menotti Del Picchia e todo o burburinho das conferências e poemas que movimentaram a grande sala do Theatro Municipal de São Paulo há um século.
Toda Semana: Música & Literatura na Semana de Arte Moderna foi idealizado por Flávia Camargo Toni, professora e vice-diretora do IEB, Camila Fresca, jornalista, musicóloga e doutora pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e Claudia Toni, historiadora pela USP e especialista em Políticas Públicas Culturais. A direção musical é de Claudio Cruz, violinista e regente da Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo.
“Esse projeto nasceu da percepção de que ainda não tínhamos como reunir os projetos sonoros, as gravações de toda a música de Villa-Lobos executada durante a Semana de 22”, conta Flávia Toni, que há 40 anos tem se dedicado a pesquisar a obra musical de Mário de Andrade. “Para uma boa avaliação crítica dos ‘sons’ ouvidos no palco do Theatro Municipal – palestras, poesia e música -, seria necessária uma gravação em estúdio, mas, paralelamente, era importante aprofundar um estudo voltado aos repertórios específicos de 1922.”
Com a participação de Cláudia e Camila, o projeto ganhou força. “Conseguimos a localização das partituras, o contato com os músicos. Fizemos o levantamento da fonte bibliográfica, a localização dos herdeiros, por causa do licenciamento dos conteúdos, enfim, tudo foi entendido como tarefa a ser partilhada, mas respeitando as especificidades dos campos de conhecimento”, destaca a professora.
Com a base do projeto pronta, as pesquisadoras consultaram o Sesc. “Queríamos saber quais as possibilidades de viabilizar a gravação dos quatro CDs e do livreto, e os responsáveis pelo Selo Sesc se entusiasmaram imediatamente”, lembra Flávia Toni. “Eles acolheram e dividiram conosco a alegria de viabilizar o acesso gratuito aos quatro CDs e ao livreto bilíngue através da plataforma do Sesc, assim como entenderam que é oportuno disponibilizar esse material em formato físico, que é o que estamos chamando de Box Semana de 22.”
“Esse projeto coloca em funcionamento e circulação uma nova ‘caixa de ressonância’ das ideias, experimentações e invenções aglutinadas e disseminadas pela Semana de Arte Moderna.”
.
Incentivador de projetos culturais, Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, acompanha o Box Semana de 22 com orgulho. “Esse projeto coloca em funcionamento e circulação uma nova ‘caixa de ressonância’ das ideias, experimentações e invenções aglutinadas e disseminadas pela Semana de Arte Moderna. Mais do que isso, condensa nas mídias que integram o presente projeto o espírito de novidade e transformação dos modernistas brasileiros da primeira onda, ao menos dos sudestinos, em suas expressões verbais, sonoras e musicais, audíveis depois de um século.”
As obras de Villa-Lobos executadas na Semana de Arte Moderna estão reunidas nos quatro CDs. Surpreendem pela perfeição original na interpretação atual dos músicos. “São peças de câmara para diferentes formações: piano solo, canto e piano, violino e piano, violoncelo e piano, trio com piano e quarteto de cordas. Há, ainda, duas formações que fogem do padrão: um quarteto com flauta, sax alto, harpa e celesta e um octeto com três violinos, violoncelo, contrabaixo, flauta, clarino e piano. Dos demais autores há apenas peças para piano solo”, conta Camila Fresca, jornalista especializada em música erudita.
As pesquisas dos acontecimentos sonoros da Semana de 22 trazem novas referências para os pesquisadores. “Localizar na história da cultura brasileira que Emiliano Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Paulo Prado e Menotti del Picchia participaram das ‘três festas de arte’ de 1922, como as designou o autor da Pauliceia Desvairada, hoje é lugar-comum para quem revisita as linhas mestras do Modernismo. Mas reunir os estudos elaborados ao longo de cem anos para um balanço crítico ou para finalidades didáticas ainda não é fácil”, afirma Claudia Toni, referindo-se ao trabalho de pesquisa que privilegiou a sequência dos acontecimentos sonoros ocorridos nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, na grande sala do Theatro Municipal de São Paulo.
.
“Para uma boa avaliação crítica dos ‘sons’ ouvidos no palco do Theatro Municipal – palestras, poesia e música -, seria necessária uma gravação em estúdio, mas, paralelamente, era importante aprofundar um estudo voltado aos repertórios específicos de 1922.”
.
Flávia Toni vê satisfeita o resultado das pesquisas reunidas na elaboração dos CDs, do livreto e dos concertos ao vivo. “Acho que temos agora um retrato mais próximo do conjunto e essa expressão, ‘paisagem sonora da Semana de 22’, é muito feliz.” E destaca: “O Instituto de Estudos Brasileiros possui o mais completo acervo sobre Modernismo do Brasil. Ali estão a biblioteca, o arquivo pessoal e a coleção de artes visuais que pertenceram a Mário de Andrade, que constituem a base de meus estudos ao longo de 40 anos. Camila Fresca, que está preparando uma biografia sobre Villa-Lobos, teve acesso a documentos e livros do IEB. A biblioteca e o arquivo auxiliaram muito. Na coleção do IEB foram localizados os cromos de alguns quadros de Anita Malfatti que ilustram o livreto. Quanto às partituras de Villa-Lobos, pelo fato de terem sido escritas durante a década de 1910, são difíceis de se encontrar, então foi necessário recorrer ao museu que leva o nome dele, no Rio de Janeiro, e a equipe de lá prontamente forneceu a cópia digitalizada de tudo o que precisávamos”.
A emoção estética na arte moderna
O conjunto dos quatro CDs é uma surpresa. O primeiro deles é aberto com o texto A Emoção Estética na Arte Moderna, de Graça Aranha, na voz do ator Antonio Salvador. O escritor maranhense observa: “Nenhum preconceito é mais perturbador à concepção da arte que o da Beleza. Os que imaginam o belo abstrato são sugestionados por convenções forjadoras de entidades e conceitos estéticos sobre os quais não pode haver uma noção exata e definitiva. Cada um que se interrogue a si mesmo e responda: que é a beleza? Onde repousa o critério infalível do belo? A arte é independente desse preconceito. É outra maravilha que não é a beleza”.
Depois, entre as sonatas de Heitor Villa–Lobos, o ouvinte reflete, com sons tão bem executados, sobre as ideias dos modernistas. Há leituras de poemas de Guilherme de Almeida (As Galeras), Luís Aranha (Drogaria de Éter e de Sombra) e Mário de Andrade (Domingo), entre outros, feitas por nomes como Homero Velho, Lígia Ferreira e Mônica Salmaso. E também uma seleção de conferências de Mário de Andrade. O ator Antonio Salvador lê ainda um trecho do romance Os Condenados, de Oswald de Andrade, no disco 3, e, no disco 4, ouve-se um trecho da conferência intitulada Arte Moderna, de Menotti del Picchia.
A professora Flávia Toni orienta os interessados a apreciar o projeto sonoro com calma. Sugere: “Se reunirmos a música com as palestras e os poemas, percebemos que essa audição precisa ser feita paulatinamente. Reservem as tardes de sábado e de domingo ou escutem um pouco de cada programa, alternando com a leitura dos textos. O resultado é formidável”.
Os CDs produzidos pelo projeto Toda Semana: Música & Literatura na Semana de Arte Moderna, com obras musicais, poemas e conferências apresentados na Semana de Arte Moderna de 1922, estão disponíveis gratuitamente neste link.
Os concertos promovidos pelo projeto Toda Semana: Música & Literatura na Semana de Arte Moderna serão realizados nos dias 9 e 16 de fevereiro, às 20 horas, no Teatro Antunes Filho, no Sesc Vila Mariana (Rua Pelotas 141, Vila Mariana, em São Paulo). Os ingressos custam R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 e serão vendidos a partir do dia 2 de fevereiro nas unidades do Sesc e no Portal Sesc.
.
Texto: Leila Kiyomura, Jornal da USP
.